Despedidas
Faz dez anos que não
venho à minha cidade Diamantina. Hoje retorno com uma missão
triste: enterrar minha mãe. Percebo que o único laço afetivo que
ainda me ligava a essa cidade era ela. Meus irmãos vivem todos, como
eu, em Belo Horizonte, há muitos anos. Acostumada à vida da cidade
grande, a nossa história aqui me parece distante, fluida e amarelada
como fotos antigas.
Mamãe gostava de pegar o
álbum de família e, página por página, foto por foto, esmiuçar
cada acontecimento, cada dia vivido, e puxava dali outros “causos”
que não tinham sido registrados pela luz da câmera. Sinto-me
distante de tudo o que deixei para trás. Não tenho saudades, mas
meu peito encolhe e minhas costas parecem se curvar. É funda a
tristeza. Despedir-me de mamãe é dar adeus a um pedaço de mim, da
minha vida, de alguma alegria que senti há tempos.
Sento numa cadeira e olho
para o teto. Vejo um furo no telhado. A luz do sol que vem dali me
cega por uns instantes e me faz lembrar que, afinal, a vida em
Diamantina foi leve, agraciada por invernos aquecidos à beira do
fogão de lenha; pelas primaveras adocicadas dos pomares; pelos
verões carnavalescos que traziam gente nova à cidade, quebrando a
monotonia das ruas e vielas; pelos outonos parados e frios,
aguardando a chegada de uma carta, uma notícia, um sinal de quem
havia partido e não voltaria mais.
Tia Augusta, irmã de meu
pai, também já falecido, senta-se ao meu lado e sussurra um convite
para ir à casa dela depois do enterro. Lá encontro Joaquim. O
casarão onde ele mora fica em frente ao dela. Fomos namorados na
adolescência. Acho que ele nunca me perdoou por tê-lo deixado. Eu
queria estudar e ele, casar. Na véspera da minha partida para Belo
Horizonte, ele juntou três amigos e um senhor que tocava violão, e
fizeram uma serenata para mim. Estremeci, mas já estava decidida. O
namoro durou ainda algum tempo, mas não resistiu à distância.
A ternura em seus olhos
me surpreende... Casou-se, mas ficou viúvo e tem três filhos.
Monossílabos e silêncios permeiam nossa conversa. Meu irmão mais
velho costuma dizer que sou muito dura. Talvez seja, mas não é a
intenção. Nascer na cidade dos diamantes pode ter contribuído para
a rigidez... É difícil conseguir ser diferente. É raro ser como eu
gostaria. Preciso ser diferente? Algumas pessoas me dizem: para ser
mais feliz. Se algum dia consegui ser leve, carinhosa e feliz, foi
aqui em Diamantina, na casa da minha mãe, mas parece que agora tudo
se foi com ela e se mistura com o vento frio do outono.